Introdução
Se não estamos sentindo o chão tremer, isso significa que não está ocorrendo um terremoto? Na verdade, sismos acontecem todos os dias, mas nem sempre sentimos o “tremor”. Para perceber a vibração, o local onde houve o terremoto não pode estar muito distante de onde estamos e o sismo precisa ser de certa magnitude (tamanho).
E o que é sismo? Ele é basicamente a liberação de energia do interior da Terra ou da superfície. Essa energia é acumulada por movimentos de placas litosféricas ou atividades vulcânicas e é liberada na forma de um tremor, que emite ondas elásticas que se propagam por longas distâncias. Para localizar, classificar e estudar os sismos, é preciso registrar as ondas que eles emitem. Os cientistas trabalham com estações sismográficas organizadas em redes, onde é possível detectar movimentações do solo causadas pela passagem das ondas sísmicas que se propagam por todo o planeta.
Atualmente, o monitoramento é feito em estações espalhadas no mundo inteiro. Essas estações transmitem dados na forma digital, o que é mais prático, rápido e eficiente. Porém, até algumas décadas atrás, era comum o uso das estações analógicas, onde os registros eram feitos no papel. Era necessário sempre existir uma equipe de pessoas controlando a troca e manutenção dos aparelhos diariamente.
Para medir as vibrações do solo, utiliza-se o sismômetro, que é o sensor responsável por responder a movimentos e estímulos da superfície muito precisamente. Esse sensor tem uma massa metálica (geralmente um ímã) suspensa por uma mola oscilando próximo a uma bobina. Pequenas variações na posição da massa geram uma diferença de potencial nas extremidades da bobina. Se esse sinal elétrico for amplificado e digitalizado pelo registrador (sismógrafo), temos o registro sismológico (sismograma). Um sismômetro é, portanto, um instrumento sensorial, composto por um transdutor, que transforma vibrações mecânicas em sinais de corrente elétrica, proporcionais à intensidade e à frequência dessas vibrações.
A escala Richter de magnitude é a medida mais conhecida para classificar os terremotos pelo seu tamanho. Ela serve para quantificar o tamanho de um terremoto, ou seja, o tamanho relativo dos sismos entre si, e seu potencial para causar destruição em diferentes distâncias. A magnitude é uma escala empírica de tamanho, guardando uma relação com a energia liberada, mas não efetivamente refletindo a quantidade de energia liberada.
Sismômetros
O Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG/USP) no período de 1975-2000 operou diversas estações sismográficas, que estavam normalmente associadas ao monitoramento de barragens. Para fazer esse acompanhamento, foram utilizados dois tipos de sismômetro: o Teledyne Geotech modelo S/13 e o Wilmore MK IIIA (Figura 1).
Figura 1: Sismômetros (sensor) Wilmore MK IIIA (esquerda) e Teledyne Geotech modelo S/13 (direita) utilizados pelo Centro de Sismologia do IAG/USP até 2000. Hoje em dia esses sismômetros podem ser vistos em demonstrações para o público.
Cada sismômetro pode responder de forma diferente às diversas vibrações do solo. As principais características que precisam ser consideradas para a escolha ou análise dos dados de um registro por determinado instrumento são:
- Sensibilidade: A relação entre o movimento da superfície e o sinal elétrico gerado pelo sismômetro é dada por uma constante eletromotriz de unidade volts por metro por segundo [v/m/s].
- Resposta: Todos os sensores possuem uma faixa de frequência de trabalho, não registrando vibrações fora desse intervalo. Esse intervalo também é utilizado para classificar os sensores em (a) de período curto: geralmente operam em uma faixa de frequência que varia de 0,1 Hz a 30 Hz, mantendo uma resposta plana em frequência em uma porcentagem apenas desse intervalo em torno de 1s; (b) de banda larga: operam em faixas de frequência bem maiores, desde 0,005 Hz (200s) até 120 Hz, mantendo uma faixa de resposta plana entre pelo menos 120s e 50 Hz. Na região de resposta plana, o instrumento responde igualmente em todas as frequências dessa banda.
Figura 2:Curvas de resposta para os sensores Teledyne Geotech S13 e Wilmore MKII comumente utilizados pelas estações sismográficas operadas pelo IAG/USP no período de 1976 a 1999.
Para determinar a direção da onda sísmica, o sismômetro pode trabalhar com seu pêndulo na posição horizontal ou vertical, decompondo o movimento absoluto do solo em três direções ortogonais. Na posição vertical, captam-se as vibrações provocadas perpendicularmente à superfície da Terra. Na posição horizontal, captam-se as vibrações paralelas à superfície, podendo essas ser em duas direções ortogonais (normalmente norte/sul e leste/oeste). Um conjunto de três sensores ortogonais pode assim decompor o movimento do solo em três direções, que posteriormente são utilizadas para recompor o movimento absoluto do solo e localizar de onde as ondas estão chegando.
Registrador
O registro do sismograma é feito pelo sismógrafo ou registrador. Embora atualmente sejam utilizados registradores que digitalizam o sinal em volts/m/s enviado pelo sensor e gravam um arquivo digital para posterior processamento (filtragem e visualização), antes da década de 1980 esses equipamentos não existiam e os registros eram feitos diretamente em papel por um equipamento conhecido como portacorder (Figura 3). O portacorder é formado por um tambor de rotação (onde se coloca o papel a ser gravado o registro), uma pena, ou uma caneta, para realizar o registro, e diversos comandos para controle e manutenção do registro e do tempo de traslação do tambor. O sinal gerado pelo sensor alimenta um eletroímã, que faz a pena (ou caneta) se movimentar de um lado para outro, enquanto o tambor, com o papel acoplado, é rotacionado com uma velocidade constante.
Figura 3: Fotos do registrador portacorder, produzido pela Teledyne/Geotech, vista lateral (esquerda); vista superior (direita). Nas fotos, o tambor de rotação está com um registro começado e podemos ver os botões de ajustes de tempo, filtros, rotação do tambor e translação da pena (com caneta).
Os parâmetros mais importantes relacionados com o funcionamento do registrador são:
- Amplificação de sinal: (Figura 4) é o ganho, ou a atenuação, aplicado à amplitude do sinal original que foi captado pelo sismômetro. Esse fator é importante para determinar a real dimensão do movimento do solo em conjunto com a sensibilidade do sensor. Geralmente esse parâmetro é medido em decibéis (dBs), onde a cada 6 dBs o sinal é dobrado em amplitude. Os portacorders utilizados pelo IAG tinham as opções 42, 48, 54, 60, 66, 72, 78, 84, 90, 96, 102, 112 e 120 . O valor 120 indica a melhor estação, pois, quanto mais calmo for o local, maior é a amplificação utilizada.
- Filtro: (Figura 4) O sinal, antes de ser registrado no papel, é filtrado por um filtro passa-banda. O filtro passa-banda é utilizado para atenuar os ruídos existentes no local de instalação. A unidade é dada em hertz (Hz). Os portacorders apresentavam as seguintes opções de filtros passa-baixa: X, Y e Z; e passa-alta: X, Y, Z, que juntos compunham o passa-banda.
Figura 4: Controle de ganho do portacorder com os possíveis valores indicando uma variação a cada 6 dB (esquerda) e controles do filtro para ajustar os valores de passa-alta e passa-baixa do filtro do sinal enviado pelo sensor.
- Velocidade de translação do tambor: ( Figura 5 ) A velocidade escolhida para a rotação do tambor é que determina a escala de milímetros/minuto para realização do registro. Valores menores implicam registros mais “apertados”, enquanto valores maiores produzem registros mais abertos e com maior detalhe. Valores típicos são 30, 60, 120 e 240.
- Velocidade de deslocamento da pena ou caneta/volta do tambor: ( Figura 5 ) Combinada com a velocidade de translação do tambor, a pena ou caneta, além de vibrar de acordo com o sinal emitido pelo sensor, desloca-se de um lado para outro do equipamento, registrando o sinal por toda a extensão do papel. A velocidade de deslocamento é dada em milímetros/volta do tambor. Valores típicos incluem 1, 2, 4 e 8 milímetros.
A combinação dos dois últimos parâmetros permite controlar o tempo para trocar as folhas de registro, variando de 1,9 horas até 5 dias (120 horas). Na maior parte das vezes, foram utilizadas configurações que garantiram 15 horas de registro por folha de papel.
Figura 5: Controle da velocidade de Rotação do tambor em milímetros por minuto e translação da pena em milímetros. À esquerda, são mostrados os controles disponíveis no portacorder e, à direita, uma tabela de velocidade do tambor/translação da pena onde são indicados os tempos máximos de registro por folha, dada a combinação desejada.
Figura 6: Ajustes para marcação de tempo (horas, minutos; no sismograma)
- Marcas de tempo: (Figura 6) Para recuperar o tempo do registro, um sinal gerado pelo relógio interno do portacorder é misturado com o sinal do sensor e então registrado no papel, sobreposto ao sinal do sensor. São inseridas marcas mais largas para hora, minuto, e marcas mais estreitas para segundos (ou para cada 10s). O relógio do sismógrafo, por sofrer deriva de tempos em tempos, deve ser sincronizado com a hora universal (UT Universal Time), podendo ser ajustado pelos sinais por radiorrelógio internacionais como a WWV (Estados Unidos) e a LOL (Argentina). A hora universal é utilizada por estações sismográficas do mundo inteiro para padronizar o horário dos registros sismográficos, uma vez que existe diferença de fuso horário entre os países, e para permitir assim a comparação dos registros, sem que correções de relógio sejam aplicadas.
A correta configuração do portacorder permite o registro claro dos sinais captados pelo sensor. São esses sinais que posteriormente são utilizados para se estudarem os tremores naturais e os induzidos pelo homem.
Para localizar um evento sísmico, são necessários registros de no mínimo três estações sismográficas operando com uma componente. A partir do sismograma, o tempo de chegada das ondas P e S é determinado. Assumindo-se um modelo de velocidade para essas ondas, é possível converter a diferença de tempo entre elas em distância da estação até o evento (ponto de onde as ondas foram originadas). Com a distância a partir de três estações distintas, é então determinada a posição do evento por um processo de triangulação a partir de cada estação.
O IAG/USP trabalhou com os sensores Teledyne Geotech S13 e Wilmore e com registradores porta-corders de 1976 a 1990. Durante todos esses anos, centenas de sismos foram analisados nos registros em papel.
O papel, mesmo quando armazenado em condições ótimas, costuma se degradar com o passar do tempo. Para que todos esses registros em papel não sejam perdidos e com eles boa parte da história da sismicidade do Brasil, é preciso que os sismogramas sejam digitalizados.
Este portal é o resultado dos esforços para montar um banco de dados e metadados que possibilitem a utilização desses registros novamente, agora com alcance mundial, não mais restritos às pessoas que podiam vir ao IAG. Cada registro em papel foi cadastrado e posteriormente digitalizado. O processo de vetorização dos dados é feito de forma colaborativa pelo usuário, à medida em que os dados são utilizados. O cadastro dos metadados associados a cada registro em papel está descrito na página sobre o banco de dados de metadados. Mais informações sobre os equipamentos podem ser encontradas nestas páginas de documentação do portal.